Entre tantas incertezas no enfrentamento de um câncer ginecológico, muitas mulheres temem não mais poderem ser mães. Tumores que acometem órgãos do aparelho reprodutivo feminino como os de colo de útero, endométrio e ovário, que são os mais comuns, envolvem cirurgia para retirada da área comprometida. No entanto, há abordagens terapêuticas que permitem manter a fertilidade. Elas variam de acordo com o tipo, localização e estágio do tumor, garantindo que a maior parte das mulheres submetidas a essas técnicas consiga engravidar após o tratamento.
Para que a mulher se mantenha fértil, é necessário preservar o corpo do útero, ao menos um ovário e a trompa correspondente. No caso do câncer de colo de útero, isso é possível em tumores em fase inicial, com até dois centímetros, restritos ao colo e sem acometimento de linfonodos (gânglios). A estratégia é retirar apenas uma faixa larga da área do colo afetada, mantendo intacto o corpo do útero, onde ocorre a gestação. Isso é feito por meio de um procedimento chamado conização, realizado via vaginal. Para tumores de colo de útero um pouco maiores, mas ainda em fase inicial, a alternativa é retirar todo o colo do útero, parte da vagina e gânglios pélvicos, mantendo o corpo do útero.
O câncer de endométrio (camada que reveste internamente o útero) acomete geralmente mulheres que já estão na menopausa. O tipo mais comum, o carcinoma endometrioide, pode ser tratado com preservação do útero se for inicial, estiver restrito ao endométrio, sem atingir o miométrio, e for classificado como até moderadamente diferenciado. Nesses casos, é realizada uma histeroscopia, procedimento minimamente invasivo para retirada somente da área afetada e do miométrio circunjacente para avaliar se está comprometido. Esse material é analisado em laboratório para confirmar o estágio e o tipo do tumor. Não havendo necessidade de retirar novas áreas, é administrada uma alta dose de progesterona para eliminar possíveis resquícios da doença, procedimento feito geralmente com um sistema intrauterino (SIU) com progesterona.
Em relação ao câncer de ovário, o mais frequente em pacientes jovens é o do tipo germinativo. Em estágio primário, sem metástase (quando ainda não se disseminou para outras partes do corpo) e quando atinge apenas um ovário, pode ser tratado com cirurgia conservadora, ou seja, o cirurgião remove a área afetada, mantendo um dos ovários, a trompa correspondente e o útero. Nesses casos, o procedimento radical, que envolve a retirada de todo o conjunto de órgãos, não se justifica, pois as taxas de cura e de recidiva da doença são as mesmas em ambas as abordagens.
Também no câncer clássico de ovário – o seroso de linhagem epitelial – é possível manter o outro ovário se a doença estiver restrita a apenas um deles. Aqui, a cirurgia retira trompa, ovário, gânglios e o tecido adiposo que recobre intestino (omento), mantendo o ovário e a trompa do outro lado.
Há, ainda, uma alternativa para tratamento de tumores em estágio inicial que afetem os dois ovários. Eles são removidos junto com as trompas, mas o útero é preservado, permitindo uma futura gestação por meio de óvulos doados (ovodoação).
Quimioterapia e radioterapia também podem causar esterilidade, afetando útero, ovário ou ambos. Uma possibilidade para ter um filho futuramente é considerar o congelamento de óvulos ou de embriões, que poderiam ser gerados por útero de substituição (barriga de aluguel) ou ovodoação.
O tratamento de tumores não ginecológicos, mas localizados em órgãos próximos – como estômago e intestino, entre outros –, também deve levar em conta a preservação da fertilidade de mulheres que desejam engravidar. A recomendação é uma conversa prévia com os especialistas envolvidos, como oncologista, ginecologista e cirurgião, para definir a melhor estratégia.
Importância do diagnóstico precoce
A descoberta de um tumor ginecológico em fase inicial faz toda a diferença para possibilitar um tratamento eficaz com preservação da fertilidade. Daí a importância de cuidados que permitam o diagnóstico precoce. Para o rastreamento do câncer de colo de útero, é fundamental a realização periódica do exame de Papanicolau. Para ovário e endométrio, não existe meio de rastrear a doença, mas é importante manter uma rotina anual de consulta com o ginecologista, que pode detectar alterações nesses órgãos e avaliar causas de irregularidade menstrual.
A identificação de qualquer tipo de câncer em estágio inicial aumenta as chances de sucesso no tratamento. No caso dos cânceres ginecológicos faz mais que isso: aumenta a chance de vencer a doença e de engravidar depois dela.
Fonte: José Carlos Sadalla – CRM 97.419 SP e Arnaldo Urbano Ruiz Filho – CRM 78.064 SP
Data da última atualização: 5/7/2021