Diversas mutações nos genes das células estão por trás das leucemias, doenças onco-hematológicas que afetam os componentes do sangue (glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas) enquanto eles estão sendo fabricados dentro da medula óssea, o berçário das nossas células sanguíneas. Na versão crônica, a enfermidade é mais comum em pessoas mais velhas. Existem também as formas agudas, mais frequentes em crianças e adultos.
As leucemias podem estar associadas a uma ou mais mutações genéticas que provocam alterações indevidas, como a aceleração do processo de multiplicação das células ou à perda da capacidade natural de morrer. Além de fragilizar o sistema de defesa do organismo devido à redução dos glóbulos brancos normais (leucócitos), o que expõe os pacientes a infecções, as células doentes também podem prejudicar a produção de glóbulos vermelhos (hemácias) e plaquetas, podendo levar ao surgimento de anemias e hemorragias.
A grande maioria dessas mutações genéticas não são hereditárias, ou seja, não são transmitidas de pais para filhos. Elas são adquiridas ao longo da vida e podem ter relação com o contato com vários fatores de risco. Em geral, a razão pela qual a leucemia ocorre é desconhecida. O que se conhece são alguns poucos fatores ambientais que podem aumentar o risco, entre eles exposição à radiação em altas concentrações, tabagismo, agrotóxicos e outros produtos químicos cancerígenos, como tolueno e benzeno, assim como exposição a alguns vírus, como o de Epstein Barr.
Tipos de leucemia
As leucemias, em geral, se subdividem em linfoides ou mieloides e também em agudas ou crônicas. A primeira divisão ocorre em função do tipo de célula alterada que deu origem à enfermidade; a segunda está associada ao amadurecimento ou não das células doentes.
Todas as células sanguíneas surgem de duas matrizes: as células linfoides e as mieloides. Quando amadurecem, as células linfoides dão origem aos linfócitos B, T ou NK; e as mieloides, aos neutrófilos, monócitos, eosinófilos, basófilos, glóbulos vermelhos ou plaquetas. As leucemias são classificadas de linfoide ou mieloide em função do tipo de célula que deu origem à doença.
As leucemias são definidas como agudas quando a célula doente fica em um estágio permanente de célula jovem (ou blasto). As leucemias crônicas ocorrem quando, apesar de doentes, as células amadurecem.
Assim, há quatro subtipos principais de leucemias: linfoides crônicas, mieloides crônicas, linfoides agudas e mieloides agudas. Exceto pela leucemia linfoide crônica (ou linfocítica crônica), todas possuem diversos subtipos com características diferentes. Há, ainda, outras variantes mais raras da doença.
O diagnóstico dos tipos e subtipos é feito por meio de exames da medula óssea e de sangue. Entre eles, estão mielograma, imunofenotipagem, cariótipo, FISH, anatomopatológico e imunohistoquímico. O diagnóstico da leucemia linfoide crônica exige apenas análise do sangue, sendo raros os casos em que se faz necessária análise da medula óssea ou de gânglios.
As leucemias podem se manifestar de formas diversas, variando de acordo com o tipo e subtipo, as mutações adquiridas, a agressividade da célula, o tempo de duração antes do diagnóstico, além de características do próprio doente, como comorbidades.
As leucemias linfoides e mieloides agudas, em geral, caracterizam-se pela falência da medula óssea normal e pelo aumento das células doentes no sangue periférico. A falência da medula ocorre porque as células doentes imaturas ocupam todo o lugar e os recursos que seriam usados pelas células normais, que deixam de ser fabricadas. Com isso, anemia (por baixa de glóbulos vermelhos), imunidade baixa (com redução dos glóbulos brancos normais) e sangramentos (por falta de plaquetas) são frequentemente encontrados.
Nas leucemias linfoides agudas (também chamadas de leucemias linfoblásticas agudas ou LLA) ocorre aumento de linfócitos (linfoblastos); nas leucemias mieloides agudas (ou LMA), dos mieloblastos. Pode haver ainda aumento de gânglios, do baço e do fígado. Essas leucemias surgem e se manifestam em questão de semanas pela rápida produção das células doentes. As LLA são mais comuns na infância e adolescência, e as LMA, em adultos na faixa dos 60-70 anos.
As leucemias mieloides e linfoides crônicas, quase que exclusivas de adultos, estão associadas a células doentes que conseguem se diferenciar e se tornar mais maduras. Essas enfermidades tendem a evoluir mais lentamente, podendo demorar até anos para apresentar sinais e sintomas.
A leucemia linfoide crônica é exclusiva de adultos e mais comum em pessoas na faixa dos 70 anos. Costuma ser descoberta por acaso em até 80% dos pacientes, muitas vezes a partir da realização de um hemograma de rotina. Sempre há aumento dos linfócitos B no sangue, que variam de aumento discreto até muito importante. Quando existem sintomas, a doença se manifesta pelo aumento de gânglios e do baço e, às vezes, por meio do que os médicos chamam de ‘sintomas B’, que são febre baixa à tarde, perda de peso sem causa aparente e sudorese noturna. É comum que os pacientes apresentem infecções de repetição devido à queda da quantidade geral de anticorpos, que seriam produzidos pelas células que ficaram doentes.
A leucemia mieloide crônica ocorre em adultos, principalmente a partir de 45 anos, e é bem caracterizada pela produção muito aumentada de glóbulos brancos doentes (neutrófilos, monócitos, basófilos) e pela infiltração do baço, que pode ficar extremamente aumentado. Pode haver aumento de plaquetas. A redução do número de plaquetas e anemia grave só costumam ocorrer em casos muito avançados.
O tratamento das leucemias
Na leucemia linfoide crônica, somente um terço de todos os pacientes precisa ser tratado assim que descobre a doença. Os outros dois terços serão somente acompanhados com exames de sangue e consultas médicas. Em um terço do total dos pacientes, a doença evoluirá ao longo do tempo, exigindo tratamento; o outro terço nunca precisará ser tratado. Entretanto, todos estão sujeitos a infecções de repetição, devendo receber as vacinas da gripe e outras indicadas e ter atenção para tratar processos infecciosos adequadamente.
As leucemias linfoides crônicas, quando precisam ser tratadas, recebem terapias que são selecionadas de acordo com a idade, comorbidades e características genéticas da doença. O tratamento envolve cada vez menos quimioterapia e cada vez mais terapias-alvo (medicamentos específicos para certas características genéticas das células doentes). O transplante de medula, único procedimento que curaria a doença, é raramente usado devido à idade dos pacientes e ao bom controle que se obtém com o tratamento.
Nas leucemias agudas o tratamento envolve quimioterapia para os mais jovens e medicamentos eficazes, mas menos tóxicos, para os idosos. Em alguns casos a cura pode ser obtida apenas com o transplante de medula óssea, que é feito com frequência em pacientes adultos jovens. A conduta de cada caso, entretanto, exige uma avaliação altamente individualizada.
Nas leucemias mieloides crônicas, em geral, controla-se bem a doença com medicamentos orais que devem ser usados com extrema regularidade. Alguns casos necessitarão de transplante de medula óssea, cada vez menos utilizado. Apesar de somente obter-se a cura com o transplante, o resultado obtido com os novos medicamentos orais é tão impactante que os pacientes podem ter um curso de vida praticamente normal com a doença controlada.
Com isso, graças aos avanços das pesquisas laboratoriais e clínicas, ao entendimento mais profundo da doença e às novas terapias medicamentosas cada vez mais específicas e menos tóxicas, como as terapias-alvo, as perspectivas de tratamento dos pacientes com leucemia tornam-se cada vez mais positivas.
Fonte: Fábio Pires de Souza Santos – CRM 108.253 SP; Danielle Leão Cordeiro de Farias – CRM 94.841 SP
Data da última atualização: 13/7/2021