A medicina tem registrado avanços expressivos no tratamento da amiloidose, uma doença incomum e com duas principais formas de manifestação: a sistêmica primária (amiloidose AL) e a familiar (amiloidose transtiretina ou TTR, a sigla que identifica a transtiretina). Ambas são caracterizadas pela produção e pelo acúmulo indevido no organismo de amiloide, uma proteína anormal que vai se depositando em tecidos ou órgãos, provocando disfunções nas partes afetadas. Nos casos mais graves, coloca a vida dos pacientes em perigo.
Na versão sistêmica primária (tipo AL), a amiloide é produzida na medula óssea, tecido gelatinoso existente dentro de alguns dos nossos ossos e que funciona como berçário do nosso sistema imune. Adquirida ao longo da vida, essa condição anormal ocasiona a concentração de amiloide no coração e nos rins, causando problemas de funcionamento dos órgãos. Dependendo do caso, pode levá-los à falência.
Já a amiloidose familiar é hereditária, associada a uma mutação no gene TTR hepático (do fígado), que passa a produzir um tipo de proteína amiloide com defeito, a transtiretina. Esse tipo de amiloidose pode ser passada de pais para filhos e, geralmente, causa problemas no coração e nos nervos. Existe uma forma de amiloidose TTR sem a mutação, que também é produzida pelo fígado, e que ocasiona danos em órgãos e tecidos. Conhecida como amiloidose senil, essa forma costuma ter evolução mais lenta e ser menos agressiva.
Os dois tipos de amiloidose (AL e TTR) exigem tratamento, mas a abordagem terapêutica é diferente.
Inovações que fazem a diferença
Até cerca de três anos atrás, o tratamento da amiloidose, doença progressiva que costuma demorar muito para ser diagnosticada, era bem mais restrito. Essa realidade começou a mudar com o desenvolvimento de uma série de novos medicamentos.
Para as amiloidose hereditárias (amiloidose TTR), os avanços vieram com o tafamidis, que estabiliza a amiloide no sangue, impedindo que se acumule nos tecidos; e com outros dois medicamentos, o inotersen e o patisiran, que diminuem a produção da proteína TTR no fígado, bloqueando a sua produção dentro das células do fígado. Todos esses novos medicamentos já estão aprovados no Brasil para o tratamento da amiloidose e representam uma importante conquista.
Sem essas inovações, restava aos pacientes o transplante de fígado, até então a única forma de reverter o problema. Com as inovações, a doença tem agora uma forma eficaz de controle. Essas novas terapias são bem toleradas. Elas têm como finalidade o retardo da progressão da doença e, em alguns casos, o ganho de função dos órgãos afetados, representando importantes avanços no tratamento da amiloidose mediada por TTR.
Na amiloidose hematológica (tipo AL), os recursos terapêuticos disponíveis até então eram quimioterápicos que agem sobre os plasmócitos, as células da medula óssea responsáveis pela fabricação da amiloide. Outra opção, voltada para pacientes com condições de saúde adequadas, é o transplante autólogo de medula óssea. Nesse procedimento, as células-tronco do paciente são removidas antes da aplicação de quimioterapia em altas doses, para eliminar as células da medula produtoras da proteína disfuncional, os plasmócitos. Depois, as células-tronco são reintroduzidas no paciente para darem origem a novas células, agora sem o defeito que gera a produção da proteína amiloide. Para alguns indivíduos, o transplante pode significar a cura da doença. O grande problema é que, muitas vezes, a amiloidose deixa o paciente em condições tão frágeis que inviabiliza o transplante, geralmente pelo envolvimento avançado cardíaco ou de dois ou mais órgãos ou pela idade mais avançada.
A novidade também veio com o uso do daratumumabe, um anticorpo monoclonal (proteína produzida em laboratório) associado com bortezomibe, ciclofosfamida e dexametasona, para a supressão da produção de amiloide. Com extraordinária eficácia cientificamente atestada, a combinação foi aprovada no final de 2020 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Além de controlar a produção da proteína amiloide de forma muito mais satisfatória comparada ao uso conjunto de bortezomibe, ciclofosfamida e dexametasona, que já era adotado como padrão, a combinação do trio com o daratumumabe mostrou-se mais eficaz em reverter os danos causados nos órgãos, como a insuficiência cardíaca provocada pela amiloidose, por exemplo. A combinação dos quatro medicamentos também vem ajudando o restabelecimento de pacientes que antes não podiam ser submetidos ao transplante, habilitando-os ao procedimento.
Esses avanços da ciência impactam decisivamente a forma de controlar e tratar a doença e representam apenas o começo de uma revolução medicamentosa. Outras substâncias inovadoras já estão sendo pesquisadas, e a BP, reconhecida como um grande centro para diagnóstico e tratamento da amiloidose, tem participado de estudos clínicos para avaliar a efetividade e segurança dessas inovações.
Fonte: Phillip Scheinberg - CRM/SP 87.226
Data da última atualização: 17/1/2021