Até pouco tempo, a quimioterapia, combinada ou não com o transplante de medula óssea, era a única alternativa para o tratamento da leucemia mieloide aguda (LMA), tipo grave de câncer que afeta a medula óssea, a estrutura dentro dos ossos onde são fabricados os glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas do nosso sangue. Os quimioterápicos serviam para tentar controlar a proliferação de células doentes, que são incapazes de cumprir as funções das células saudáveis, ou seja, transportar o oxigênio pelo corpo, combater infeções e doenças e atuar na cicatrização de sangramentos.
Essa história começou a mudar nos últimos cinco anos com a chegada de novas de classes de medicamentos que vieram se somar aos tratamentos já existentes, sejam os protocolos de quimioterapia convencional à base de citarabina ou quimioterápicos em baixa dose (azacitidina e decitabina) direcionados aos pacientes mais idosos e/ou em condições clínicas mais frágeis. Vale lembrar que a LMA, apesar de poder ocorrer em qualquer faixa etária, é mais comum nas pessoas com mais 60 anos.
Imunoterápicos
Entre essas novas opções estão os anticorpos monoclonais imunoterápicos, proteínas sintetizadas em laboratório que agem no organismo como os anticorpos do nosso sistema imunológico. Quando identificam um determinado antígeno presente nas células da LMA, os anticorpos monoclonais se conectam a ele, favorecendo que o sistema imunológico reconheça as células leucêmicas e as elimine.
Dessa classe de medicamentos, o carro-chefe para a LMA é o gemtuzumab, cujos melhores resultados são obtidos quando ele é empregado junto com a quimioterapia convencional em pacientes com doenças de risco mais baixo, isto é, que têm menos risco de recidiva (retorno da doença) ou de apresentar resistência ao tratamento, em função das características genéticas das células doentes. A combinação elevou a chances de cura nesses casos para cerca de 80%.
Inibidores de enzimas
Outra frente de avanços são os inibidores de enzimas, grupo de medicamentos de terapia-alvo. Dentre eles, destacam-se os inibidores de FLT3, que agem sobre um dos genes responsáveis pelas formas mais severas da doença e pelas altas taxas de recidiva. Esse gene fabrica a FLT3, enzima que estimula a proliferação incessante das células doentes. O uso do medicamento funciona como uma chave que desliga esse indevido motor químico.
No Brasil, já estão disponíveis dois inibidores do gênero: a midostaurina, utilizada junto com quimioterapia convencional logo no início do tratamento; e o gilteritinibe, usado isoladamente em pacientes que têm mutações no gene FLT3 e não responderam à quimioterapia sozinha ou combinada com midostaurina. São recursos fundamentais para quem sofre com formas resistentes da LMA e não tinha alternativas terapêuticas para lidar com a doença.
Na família dos inibidores, também desempenha papel estratégico o venetoclax, um inibidor de BCL-2, proteína que, em excesso, impede o processo natural de envelhecimento e morte das células. O venetoclax é especialmente útil no caso da LMA, porque os portadores da doença têm alterações genéticas associadas a essa produção exacerbada de BCL-2, bloqueando o processo natural de morte celular. O venetoclax atualmente vem sendo empregado junto com quimioterapia em baixa dosagem para pacientes idosos, melhorando tanto a resposta ao tratamento como a sobrevida. Recentemente, ele também passou a ser usado com a quimioterapia em doses mais altas em pacientes mais jovens. Nesse caso, as doses de venetoclax precisam ser mais baixas.
Já em uso nos Estados Unidos, novos tipos de inibidores devem chegar ao Brasil no futuro próximo. Entre eles estão os inibidores de IDH1 e IDH2, proteínas que estão mutadas em cerca de um quinto dos pacientes com LMA. Usados isoladamente ou combinados com quimioterapia de baixa intensidade, essas medicações favorecem o processo de amadurecimento das células sanguíneas.
Esses novos medicamentos representam importantes conquistas, pois significam a chance de maior controle da LMA. Os novos remédios também se sobressaem pelo perfil de baixa toxicidade, que possibilita a sua combinação com agentes quimioterápicos. Nenhum deles ainda se mostrou capaz de, isoladamente, curar a doença. Todavia, eles reforçam e diversificam a gama de tratamentos, agregando mais saúde e qualidade de vida aos pacientes.
Fonte: Fábio Pires de Souza Santos - CRM/SP 108.253
Data da última atualização: 23/03/2022