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Novos remédios revolucionam o tratamento da leucemia linfoide crônica

Cada vez mais, a quimioterapia cede lugar para novas classes de medicamentos no controle da doença

Estão Estão surgindo novas alternativas para o tratamento da leucemia linfoide crônica, doença onco-hematológica relacionada a alterações genéticas adquiridas (não hereditárias) que fazem com que os linfócitos B – células do sistema imunológico responsáveis pela produção dos anticorpos que combatem as infecções no organismo – se multipliquem de maneira descontrolada e funcionem de forma anormal. Os portadores da doença geralmente são pessoas com mais de 60 anos e são mais suscetíveis a ataques de bactérias, vírus e fungos.

Há algumas décadas, as poucas opções de tratamento eram os quimioterápicos endovenosos, corticoides e o clorambucil, um quimioterápico oral pouco efetivo usado até hoje. Mas as respostas eram limitadas e em pouco tempo a doença retornava.

Nos anos 1990 e 2000, surgiram novas opções no campo da quimioterapia, mas o começo da revolução no tratamento da doença veio com a introdução do rituximabe, um anticorpo monoclonal. Diferentemente dos quimioterápicos que agem em todas as células do corpo, o rituximabe ataca uma proteína específica dos linfócitos B doentes, chamada CD20. Para os pacientes, isso significou a chegada de um remédio que não provocava enjoo, não fazia cair cabelo e não prejudicava a imunidade do organismo.

Nos anos seguintes, novos anticorpos monoclonais anti-CD20 foram desenvolvidos, como o obinutuzumabe e o ofatumumabe. Entretanto, o uso isolado desses anticorpos possui pouca efetividade, sendo necessário associar à quimioterapia.

A partir daí veio a combinação do rituximabe com os novos quimioterápicos fludarabina e ciclofosfamida, criando o esquema medicamentoso que ficou conhecido como FCR (fludarabina, ciclofosfamida e rituximabe). Com ele, observou-se um significativo aumento da sobrevida, apesar de apresentar ainda muitos efeitos colaterais, principalmente infecções graves. Hoje, esse tratamento está reservado apenas para os pacientes mais jovens (até 65 anos).

Revolução molecular
A revolução no tratamento da leucemia linfoide crônica foi acelerada nos últimos anos com o desenvolvimento de novas classes de medicamentos. Uma delas são os inibidores de BTK, que impedem a ação dessa proteína, fazendo com que as células doentes parem de se proliferar. A lógica dos inibidores é acabar com a vantagem que as células doentes têm sobre as normais, que é a capacidade de se replicar de forma mais intensa. Além de serem muito menos tóxicos que os quimioterápicos, os inibidores são administrados na forma de comprimidos. Os aprovados no Brasil são o ibrutinibe e o acalabrutinibe.

Outra inovação é o venetoclax, tipo de medicação que age no mecanismo que regula o ciclo de vida dos linfócitos B doentes por meio de inibidores da proteína BCL-2. Outra das características das células tumorais é a capacidade de sobrevida maior que as células saudáveis, o que lhes dá a chance de multiplicar células anormais em maior escala. O venetoclax, que pode ser aplicado sozinho ou combinado com anticorpos monoclonais, induz a morte da célula leucêmica.

Apesar de serem menos agressivos que os quimioterápicos, esses novos medicamentos ainda podem apresentar efeitos colaterais como diarreia, dores articulares e aumento de taxa de sangramento, por exemplo, embora de forma mais leve e contornável. Cada um deles possui um perfil de toxicidade um pouco diferente e deve ser indicado de acordo com o histórico do paciente. Já vem ocorrendo avanços nessa categoria de inibidores de BTK, com drogas de segunda e terceira gerações, que apresentam eficácia similar, mas com ainda menos efeitos adversos.

Um cuidado que deve ser tomado na administração de algumas dessas novas medicações, como no caso do venetoclax, é escalonar de forma equilibrada a quantidade de células que doentes que serão eliminadas. A morte abrupta de linfócitos B pode ocasionar problemas nos rins, por exemplo. Mas os conhecimentos sobre esses medicamentos vêm tornando o uso cada vez mais seguro.

Com essas novidades, é possível transformar a leucemia linfoide crônica em uma enfermidade controlada. A meta de todos esses tratamentos é levar a quantidade de linfócitos B anormais no sangue para níveis cada vez mais indetectáveis, considerando que essa doença não tem cura por meio de medicamentos. A única abordagem curativa é o transplante de medula óssea, procedimento reservado para casos muitos específicos, inclusive pela idade avançada dos pacientes.

Novos avanços estão previstos para o futuro próximo, principalmente com os desenvolvimentos da oncogenética que estão permitindo tratamentos cada vez mais individualizados. Esse será o próximo passo para deixar a doença cada vez mais indetectável.

A doença em detalhes
A leucemia linfoide crônica é diferente da aguda, esta marcada pela intensa produção e renovação de células linfoides mais jovens, gerando muitos sintomas, como anemia profunda, queda na produção de plaquetas e infecções graves que podem ocorrer no curso de poucos dias ou semanas. Já os casos crônicos ocorrem em células mais maduras, que se multiplicam de forma mais lenta, acumulando-se progressivamente ao longo dos meses e até anos no sangue, no baço e nos gânglios do corpo.

De cada dez portadores da leucemia linfoide crônica, oito não apresentam nenhum sintoma. Muitas vezes, a doença é descoberta ocasionalmente a partir de exames de hemograma realizados por outros motivos, que indicam o aumento de linfócitos no sangue. Mais de 5 mil linfócitos B idênticos (clonais) é um critério diagnóstico. A doença é confirmada quando análise das proteínas desses linfócitos a partir de exame de sangue (imunofenotipagem) confirma que são mesmos idênticos.

Nos casos sintomáticos, a doença se manifesta por meio do aumento dos gânglios linfáticos, perda de peso, baço aumentando, febre baixa geralmente no final da tarde, episódios de sudorese (suor), anemia – fator que indica que a doença está afetando a produção de glóbulos vermelhos –, e infecções de repetição, indicativas de alterações no desenvolvimento dos glóbulos brancos.

Quando uma pessoa sem leucemia possui infecções virais, geralmente o hemograma aponta números aumentados de linfócitos B, o que não significa uma relação com leucemia linfoide crônica. Após as infecções terem sido debeladas, o número tende a diminuir. O que caracteriza leucemia é o crescimento contínuo desse tipo de glóbulo branco sem relação com qualquer tipo de doença infeciosa. Crianças não têm leucemia linfoide crônica. Quando tem, é a leucemia linfoide aguda.

Dentre os pacientes que descobrem a doença, cerca de sete em cada dez necessitarão de tratamento durante a vida. Os outros três serão somente acompanhados e não necessitarão de tratamento. Esse conceito muitas vezes é estranho para os pacientes, mas entender essa realidade é importante para evitar abordagens desnecessárias, pois, apesar da presença de células tumorais no sangue, esses pacientes convivem sem problemas com esse tipo de leucemia. Enquanto o limite máximo de linfócitos B no sangue considerado normal é de 3 a 5 mil células, muitos indivíduos conseguem viver tranquilamente com 30 mil, 60 mil e até 100 mil células desse tipo.

A leucemia linfoide crônica não é hereditária, apesar de algumas famílias registrarem casos da doença entre primos. Como não se sabe quais são os fatores que causam a enfermidade, também não há formas conhecidas de preveni-la. A recomendação, especialmente para pessoas mais idosas, é a realização de hemogramas anuais. A maioria das que forem diagnosticadas com leucemia linfoide crônica não apresentará sintomas, nem necessitará de tratamento. Para aquelas que precisarem, a boa notícia é que hoje podem contar com tratamentos menos agressivos, mais eficientes e cada vez mais personalizados.

Fonte: Danielle Cordeiro Leão de Farias – CRM 94.841 SP; Ricardo Helman – CRM 113.042 SP; Phillip Scheinberg – CRM 87.226 SP

Data da última atualização: 6/5/2021