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Tratamento conservador ganha espaço no combate aos tumores de reto

Baseada apenas em quimio e radioterapia, abordagem é cada vez mais indicada. Cerca de metade dos pacientes obtém o desaparecimento de lesões sem necessidade de cirurgia radical.

O câncer do reto é o tumor maligno que acomete a parte final do intestino. Na maioria das vezes, seu diagnóstico ocorre em fases iniciais da doença ou quando existe disseminação localizada nos gânglios ao redor. Nesses casos, o tratamento baseado apenas em quimioterapia e radioterapia, sem necessidade de cirurgia, tem sido cada vez mais indicado, possibilitando a eliminação do tumor em até metade dos pacientes.

Por décadas, a cirurgia era necessária para a maioria dos indivíduos com esse tipo de câncer, exigindo a utilização, temporária ou definitiva, de colostomia ou ileostomia, procedimentos que desviam o cólon (parte do intestino grosso) ou o íleo (parte do intestino delgado) para o abdômen, onde é colocada uma bolsa para coletar o conteúdo fecal. Após a cirurgia, frequentemente o paciente passava por sessões de quimioterapia para diminuir a chance de retorno da doença.

Essa história começou a mudar a partir dos anos 1990, quando alguns médicos passaram a realizar um tratamento antes da cirurgia (neoadjuvante) com radioquimioterapia (RTQT), isto é, a combinação de radioterapia e quimioterapia. O objetivo era diminuir a necessidade de colostomia ou ileostomia definitiva e também minimizar o risco de recidiva (retorno da doença após o tratamento). Observou-se que, com essa abordagem, o tumor desaparecia por completo no material da cirurgia em 15% a 20% dos casos. Por muito tempo, mesmo os pacientes que apresentavam o desaparecimento dos tumores eram submetidos à cirurgia.

Grandes sacadas
A partir desses achados, médicos brasileiros liderados pela Dra. Angelita Gama propuseram uma nova abordagem: a estratégia de preservação do órgão, isto é, não operar os pacientes cujo tumor desaparecesse por completo após o tratamento neoadjuvante com RTQT. Esses indivíduos precisariam ser acompanhados de perto por uma equipe especializada e, caso a doença retornasse, a cirurgia seria então realizada. Inicialmente, a proposta foi recebida com desconfiança pela comunidade médica, até que em 2004 foi publicado um estudo importante que fez com que esse tratamento com a preservação de órgão começasse a ganhar adesão em todo o mundo. Esse trabalho demonstrou que operar ou não operar (quando ocorria desaparecimento do tumor) tinha resultados idênticos em longo prazo.

A outra sacada, que mudou definitivamente a história do tratamento desse tipo de câncer, foi a introdução da Terapia Neoadjuvante Total (TNT) em 2006, proposta pelo mesmo grupo da Dra. Angelita Gama, do qual participam médicos da BP, como o Dr. Rodrigo Perez. Essa abordagem consiste em duas fases de tratamento: a primeira, com a RTQT tradicional, seguida de uma segunda etapa, baseada na aplicação de quatro meses de quimioterapia. Essa abordagem elevou para 50% a taxa de pacientes que atingem o desaparecimento do tumor sem necessidade de cirurgia. Nesse mesmo período da adoção da TNT, os pacientes também foram beneficiados com a evolução tecnológica da radioterapia, que ajudou a aumentar as taxas de cura por meio da entrega de doses de radiação muito mais concentradas sem aumento da toxicidade do tratamento.

Pacientes com desaparecimento do tumor sem cirurgia precisam manter uma rotina de seguimento médico, com a realização periódica de exames de imagem e colonoscopia para assegurar que não houve retorno da doença. Aqueles que não obtêm boas respostas com a TNT, ou seja, os exames de controle indicam a presença de tumor residual, ainda precisam passar por cirurgia radical na maioria dos casos.

Pelo mundo afora
Novas pesquisas realizadas em centros de saúde de vários países continuam confirmando a segurança e eficácia dessa abordagem. Dados preliminares de um estudo randomizado sobre tratamento com preservação do reto (o TNT - OPRA TRIAL) foram apresentados na edição de 2020 do Congresso da American Society of Clinical Oncology (ASCO). O trabalho confirmou a taxa de preservação do reto em 50%, contribuindo para ampliar a disseminação da TNT mundo afora. Na mesma ASCO 2020, o grupo brasileiro apresentou nova pesquisa confirmatória acerca da TNT.

Um dos aspectos estratégicos do sucesso da TNT é a abordagem multidisciplinar, com a interação de conhecimentos de oncologistas clínicos, radio-oncologistas e cirurgiões colorretais. Assim, é fundamental que o paciente com câncer de reto passe por uma equipe multidisciplinar, com cirurgiões capazes de cumprir uma máxima da medicina: “bons cirurgiões sabem como operar; os excelentes cirurgiões sabem quando operar; mas os melhores cirurgiões sabem quando não se deve operar”. Também é muito importante contar com serviços radiológicos com expertise em ressonância magnética do reto para execução de exames a fim verificar com precisão e segurança o desaparecimento do tumor.

Atributos como esses somente os grandes centros médicos, como a BP, podem oferecer. Trata-se, no final das contas, de assegurar aos pacientes a melhor estratégia e os recursos necessários para aumentar as chances de cura, preservando ao máximo a integridade do seu corpo e a sua qualidade de vida.

Fonte: Rodrigo Perez - CRM/SP 93.950, Ricardo Saraiva de Carvalho - CRM/SP 132.389 132 e Erlon Gil - CRM/SP 115.917

Data da última atualização: 21/03/2022