Até os anos 2000, o paciente diagnosticado com câncer avançado de pulmão era submetido à quimioterapia e tinha uma sobrevida de cerca de um ano. Essa história começou a mudar com as conquistas da oncogenética e com o desenvolvimento das novíssimas terapias-alvo, que vêm permitindo tratamentos cada vez mais individualizados, ampliando a mediana de sobrevida desses pacientes.
Antes, o tratamento e a definição dos quimioterápicos a serem usados estavam baseados na identificação do tipo de célula associado aos tumores, levando em consideração dois grandes grupos: o carcinoma de pequenas células e o carcinoma de não pequenas células, este último responsável por cerca de 85% dos cânceres de pulmão, sendo a maior parte associada aos subtipos adenocarcinoma e carcinoma de células escamosas.
Avanços vieram com análises do perfil molecular do DNA das células doentes que permitem descobrir quais são as mutações genéticas por trás dos processos tumorais. Ou seja, além da investigação microscópica para identificar o tipo de célula doente, está se tornando cada vez mais possível olhar para os aspectos moleculares existentes dentro de cada célula para saber quais são as alterações genéticas relacionadas ao câncer.
A depender do tipo de molécula alterada, os médicos passaram a poder predizer se um tumor terá um comportamento mais ou menos agressivo ou se ele responderá mais ou menos a certo tipo de medicação. A descoberta de que os cânceres do pulmão também podem ser classificados de acordo com os erros genéticos específicos das células tumorais abriu portas para a personalização do tratamento.
Atualmente, existem dezenas de mutações identificadas, tornando-se foco de uma das mais promissoras frentes de tratamento do câncer de pulmão avançado: a terapia-alvo, baseada em remédios que atuam especificamente nos elementos alterados das células tumorais e que estão chegando como opções de primeira escolha medicamentosa. O desenvolvimento de terapias-alvo vem sendo estimulado pelo avanço dos testes genéticos, que estão cada vez mais sofisticados.
Primeiros desenvolvimentos
Os primeiros desenvolvimentos de terapias-alvo se concentraram no enfretamento das mutações relacionadas aos carcinomas de não pequenas células, particularmente no adenocarcinoma. Uma das primeiras mutações identificadas, com implicações terapêuticas, foi no gene do EGFR, uma proteína encontrada na superfície das células que as ajuda a crescer e se multiplicar. Nos países ocidentais, esse tipo de mutação está presente em 15% dos pacientes com câncer de pulmão.
Os bons frutos colhidos no tratamento dos carcinomas de não pequenas células estimulam agora pesquisas focadas na descoberta de novas mutações e no desenvolvimento de novos remédios relacionados aos cânceres de pequenas células. Por ser muito associado ao fumo, esse tipo de tumor tem mutações muito complexas e variadas, que dificultam o desenvolvimento de um único remédio para controlá-las.
Injetáveis ou administrados por via oral, os medicamentos de terapia-alvo são muito mais eficazes que os quimioterápicos, como comprova a mudança na curva de sobrevida dos pacientes. Além disso, produzem muito menos efeitos colaterais, uma vez que têm ação exclusivamente direcionada às células anormais, enquanto os quimioterápicos agem indistintamente em células doentes e sadias.
Esses novos medicamentos ainda são caros e a maioria não está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), que incorporou apenas os medicamentos da primeira geração. O remédio para mutação no EGFR, por exemplo, já se encontra na terceira geração, mais potente e efetiva que as anteriores. A boa notícia é que este ano ele foi incorporado ao rol da Agência Nacional de Saúde (ANS), o que significa que esse tratamento pode ter cobertura dos planos de saúde.
Próximos desafios
Além do desenvolvimento de novos medicamentos, pesquisadores e médicos estão atualmente empenhados em descobrir novas combinações de terapias-alvo a fim de aplicá-las de forma conjunta para reforçar a eficácia.
Outro desafio é compreender e bloquear os mecanismos de resistência das células tumorais que, em alguns casos, “aprendem” a burlar a ação dos medicamentos alvo-dirigidos. Ou seja, o remédio é eficaz inicialmente, mas com o passar de meses ou anos as células tumorais desenvolvem outras vias para voltarem a se multiplicar.
As pesquisas também começam a dirigir o foco para pacientes que possuem mutações mais raras, o que levará a novos avanços na personalização do tratamento. Trata-se de uma jornada em que a ciência vem dando passos rápidos e importantes, levando o tratamento do câncer de pulmão a horizontes cada vez mais promissores.
Fonte: William Nassib William Júnior – CRM 118.900 SP e Suellen Nastri Castro – CRM 151.417 SP
Data da última atualização: 5/7/2021