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Mais conhecimento sobre a enfermidade e inovações medicamentosas têm permitido importantes avanços no tratamento da mais prevalente dentre todas as doenças desmielinizantes.
A esclerose múltipla faz parte do grupo de doenças desmielinizantes, isto é, enfermidades inflamatórias associadas ao sistema imunológico que afetam a bainha de mielina, substância que recobre os neurônios garantindo a passagem dos impulsos elétricos de uma célula para outra. Por razões ainda desconhecidas, as próprias células de defesa da pessoa transformam a mielina em um alvo de ataque, como se ela fosse um corpo estranho.
Como a mielina está presente em todo o sistema nervoso, quando as inflamações ocorrem, os sintomas variam em função da localização dos neurônios afetados e do mecanismo de ataque associado a cada tipo de doença desmielinizante. Essas lesões, algumas vezes incapacitantes, podem tornar-se permanentes.
No caso da esclerose múltipla, a ciência já sabe que essa doença – crônica e com componentes inflamatório e degenerativo – está associada com alterações genéticas que tornam o paciente suscetível a doenças autoimunes. Mas são fatores relacionados a estilo de vida e exposição a riscos ambientais que funcionam como gatilhos para o desenvolvimento da doença, que afeta mais as mulheres, pessoas brancas e os moradores de regiões com baixa exposição solar, como países do norte da Europa e Canadá. Apesar de ser muito mais comum em indivíduos na faixa dos 20 e 30 anos, pode ser observada em menor frequência em crianças e idosos.
Embora ainda não seja possível falar de cura da esclerose múltipla, o acúmulo de informações sobre o seu mecanismo, bem como o diagnóstico cada vez mais precoce e o advento de novas e poderosas medicações ocorrido nos últimos dez anos, mudaram radicalmente a história clínica dessa doença que, na grande maioria dos casos, é bem controlável.
Embora ainda cause assombro para muita gente, a esclerose múltipla deixou de ser um bicho-de-sete-cabeças. Com acompanhamento médico adequado e boa adesão ao tratamento, portadores da doença podem viver tanto e tão bem quanto qualquer outra pessoa.
Para saber mais sobre a esclerose múltipla, conversamos com o Dr. André Queiroz, neurologista clínico da BP especializado em doenças desmielinizantes. Confira.
Cientistas ainda estudam se e em qual grau determinados fatores de risco estão implicados com a esclerose múltipla. Contudo, já se sabe que alguns elementos têm forte associação com a doença:
* Apesar da correlação existente entre exposição solar e insuficiência de vitamina D, os estudos tratam ambos como fatores independentes.
A doença é resultante de uma agressão do sistema imunológico à mielina. Quando inflamações sucessivas ocorrem, as nossas células nervosas vão ficando como fios desencapados e desconectados, incapazes de transmitir sinais elétricos, as sinapses nervosas. O termo “esclerose” diz respeito às cicatrizes que se formam no lugar das células que perderam sua função devido às lesões na mielina e, por vezes, ao próprio neurônio. A palavra “múltipla” refere-se ao fato de as inflamações ocorrerem em diversas partes do sistema nervoso central.
Falamos em diferentes formas de manifestação da doença. Para melhor entendê-las, é importante saber que a esclerose múltipla é uma doença constituída por dois componentes diferentes que coexistem em graus diversos em cada paciente: o inflamatório e o degenerativo.
De 85% a 90% dos pacientes têm o componente inflamatório muito mais preponderante, constituindo o grupo com a forma remitente recorrente, caracterizada por surtos inflamatórios com sucessivas remissões. De 10% a 15% têm a forma primariamente progressiva, na qual o componente degenerativo é mais presente. Diferentemente da forma remitente recorrente, que se manifesta focalmente por diversos pontos do sistema nervoso, na esclerose progressiva, mais severa, ocorre uma inflamação contínua, que tende a uma piora gradativa.
Pacientes que têm esclerose remitente recorrente podem evoluir para a forma progressiva, isto é, podem parar de ter surtos e começam a piorar de modo contínuo. Essa forma é chamada de secundariamente progressiva.
Os surtos na esclerose múltipla são sintomas causados pelo processo de desmielinização que perduram por mais de 24 horas. Os sintomas novos são causados por agressões igualmente novas, que devem ser tratadas prontamente a fim de debelar as inflamações e eliminar os sinais da doença. Também podem ocorrer sintomas relacionados a sequelas de surtos anteriores. Uma vez tratados, os sintomas podem desaparecer completamente, melhorar parcialmente ou serem permanentes.
Levando em conta que o processo desmielinizante pode ocorrer no cérebro, cerebelo, tronco, medula espinal e nervo óptico, os sintomas da doença estão sempre relacionados às diferentes partes do sistema nervoso afetadas pelas inflamações. Um paciente com esclerose múltipla pode ter manifestações clínicas totalmente diferentes de outro paciente. Contudo, existem alguns sintomas bem típicos:
Desde 2017 temos melhores critérios que nos auxiliam a diagnosticar mais e mais rapidamente a esclerose múltipla. No entanto, ainda podem-se encontrar desafios. Por conta dos seus sintomas diversos, que podem ser confundidos com os de outras doenças, muitas vezes os pacientes demoram até anos para ter um diagnóstico fechado. O papel do neurologista clínico é fundamental nesse momento.
Além da observação dos sinais clínicos, os médicos se valem da ressonância magnética como o principal recurso diagnóstico. Esse exame permite identificar áreas de inflamação e desmielinização no sistema nervoso central. Outros métodos adicionais podem ser utilizados, como exame de líquor e testes laboratoriais, a fim de excluir a possibilidade de outras doenças.
A evolução no tratamento da esclerose múltipla na última década mudou a história clínica dessa doença, que por muitos anos foi uma sentença de incapacitação e dependência para os pacientes. A virada desse quadro veio com o aumento das opções de medicamentos, bem como da sua crescente eficácia e segurança. Esses avanços, combinados com a precocidade do tratamento, estão conseguindo controlar a recorrência dos surtos e sequelas em longo prazo e reduzir as chances de progressão da doença.
Atualmente existem várias medicações que visam impedir as inflamações provocadas pela hiperativação do sistema imunológico e reduzem a desabilidade futura. São as chamadas drogas modificadoras de doença. Dentre elas, temos imunomoduladores e imunossupressores seletivos que, prescritos de forma individualizada, de acordo com as necessidades e características de cada paciente e atividade da sua doença, trazem bom controle da enfermidade.
Junto com o tratamento medicamentoso, é indicada atividade física regular. Além de reduzir os níveis inflamatórios do organismo e a fadiga, ajuda na recuperação de surtos anteriores. Dieta saudável e balanceada, baseada em carnes brancas, farináceos e legumes, também é fundamental, contribuindo para diminuir os quadros inflamatórios.
Pacientes que fumam precisam abandonar o hábito, pois o tabagismo ajuda acelerar a progressão da doença.
O grande marco da virada no tratamento da esclerose múltipla veio com uma inovação na forma de produzir medicamento, já na década de 2000, com anticorpos monoclonais. Desde então estão surgindo novas medicações com alto índice de eficácia no controle de surtos, controle de novas lesões na ressonância e de progressão de doença, fazendo o paciente atingir o que chamamos de NEDA - “nenhuma evidência de atividade de doença”. Dentre essas medicações de alta eficácia, temos o Natalizumab, o Ocrelizumab e mais recentemente a Cladribina, liberada em 2019, e o Ofatumumab, liberado em 2021.
Um grande calcanhar de Aquiles no tratamento da esclerose múltipla são as formas progressivas. Uma importante novidade, que segue em testes, são os inibidores de BTK (tirosina quinase de Bruton), que agem sobre o sistema imunológico de forma bastante seletiva, reduzindo a progressão da doença. Eles beneficiam particularmente os pacientes com a forma progressiva da esclerose múltipla, tendo em vista que a grande maioria dos remédios que ajudam controlar ou impedir os surtos não tem eficácia sobre ela quando manifesta dessa forma. Atualmente no Brasil só existe um remédio disponível para o tratamento da fase progressiva.
Além do tratamento modificador de doença, também tratamos o paciente durante o surto agudo inflamatório. No entanto, até o momento, não possuímos terapias que revertam o dano à mielina provocado pela doença. Drogas experimentais que induzem a remielinização também estão atualmente em estudo.
Além da esclerose múltipla, que é a mais prevalente, existem outras doenças desmielinizantes, como a doença do espectro da neuromielite óptica, que provoca perdas agudas da função visual e/ou motora por acometimento medular em surtos; a encefalomielite disseminada aguda, também conhecida como ADEM, que acomete geralmente a população pediátrica, tende a ocorrer apenas uma vez e pode afetar o movimento do corpo e comportamento; e a MOGAD, doença mais rara e com variadas formas de manifestação relacionada a um anticorpo específico, o anti-MOG.
Não. Apesar do nome em comum (esclerose), são doenças diferentes, com mecanismos fisiopatológicos específicos. Além de não ser uma enfermidade desmielinizante e não ter relação direta com o sistema imunológico, a ELA é uma doença degenerativa que ocorre por causas desconhecidas (10% das vezes de causa genética) de forma progressiva. O alvo dessa lesão são especificamente os neurônios motores. Por conta dessa degeneração rápida, contínua e irreversível, o paciente vai perdendo gradativamente suas funções motoras, força muscular e habilidades como se movimentar, falar e até engolir os alimentos.
Não. Quanto mais precocemente for diagnosticada e tratada de forma correta, maiores são as chances de o paciente ter uma doença completamente controlada.
Pode, sim. Uma vez controlada a doença, as pacientes podem ter uma vida completamente normal, sem restrições, inclusive as relacionadas à gestação, que deve, obviamente, ser bem acompanhada por um obstetra e um neurologista. Os remédios podem ser suspensos no curso da gravidez, momento em que ela tem menos chances de surtos. No pós-parto, quando cresce o risco de inflamações, os neurologistas tecem estratégias para a retomada de medicações, levando em consideração a necessidade de garantir o aleitamento materno.
Não existem evidências científicas sobre essa forma de tratamento, apesar de o déficit de vitamina D ser considerado um possível fator de risco para a doença. Além de não haver dados científicos que sustentem que só a suplementação em altas doses da vitamina D seja uma alterativa viável, é importante considerar que podem ocorrer efeitos adversos derivados do consumo dessas doses elevadas.
Os médicos sabem mitigar os riscos envolvidos com a prescrição dos remédios imunomoduladores ou imunossupressores. Antes de esses remédios serem prescritos, são feitos testes sorológicos para verificar a imunidade do paciente frente a determinadas doenças, e o seu calendário vacinal é atualizado. Ao longo do tratamento, são solicitados constantemente exames laboratoriais para verificar os níveis de células de defesa a fim de avaliar a necessidade de alteração de doses ou modificação de tratamento.
No geral, os portadores de esclerose múltipla não tiveram riscos muito aumentados para infecção ou óbito relacionado à Covid-19. Assim como o restante da população, uma vez vacinados, estão enfrentando em boas condições a pandemia. No entanto, pacientes com maiores sequelas da doença e/ou com outras comorbidades podem ter maior gravidade da infecção.
Isso é possível em alguns casos. Ou seja, a esclerose múltipla pode ficar menos agressiva do ponto de vista inflamatório por conta do envelhecimento do sistema imunológico. Por outro lado, com o passar dos anos, o componente degenerativo pode tornar-se mais ativo, fator que reforça a importância de tratar cedo e adequadamente a doença.
Varia em função da agressividade da doença e dos medicamentos que estão em uso. Em média, as consultas são realizadas a cada três meses e os exames de ressonância magnética a cada seis meses.
A BP conta com um corpo de neurologistas superespecializados no diagnóstico e tratamento das doenças desmielinizantes, incluindo a esclerose múltipla. Há equipes de atendimento 24 horas desde o pronto-socorro, o que contribui para acelerar o processo diagnóstico. O hospital dispõe também das mais modernas tecnologias para exames, como aparelhos de ressonância magnética de primeira linha, que fornecem informações a serem analisadas por radiologistas especializados em doenças neurológicas. Completa essa estrutura o Centro de Infusões, utilizado por pacientes que precisam receber a medicação por via endovenosa.