Publicado em 27 de maio de 2022
O tratamento do câncer hematológico ganhou um novo capítulo na sua história no Brasil. A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou recentemente as primeiras terapias que utilizam células CAR-T. Essa tecnologia envolve linfócitos do próprio paciente, que são geneticamente modificados e devolvidos para a própria pessoa. Um dos medicamentos foi aprovado para o tratamento de pacientes de até 25 anos de idade, diagnosticados com Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) de células B, e para pacientes adultos com Linfoma Difuso de Grandes Células B. Já o segundo medicamento aprovado pela Agência, tem recomendação para pacientes com mieloma múltiplo, câncer das células plasmáticas.
A BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, um dos principais hubs de saúde do país, será um dos poucos locais no Brasil que fará o procedimento. Assim que for concluído o processo de precificação pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), etapa natural para a regulação do medicamento, a BP poderá iniciar os atendimentos para as novas terapias. “Os novos tratamentos ampliarão a nossa atuação na área de terapia celular, reforçando a posição da BP como hub de saúde de excelência no país”, diz o médico Phillip Scheinberg, coordenador da Hematologia do Centro de Oncologia e Hematologia da BP. Em 2021, a instituição ficou entre os três maiores centros no país em número de transplantes de medula óssea, com 149 transplantes, de acordo com dados da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos).
A nova técnica
O CAR-T utiliza a terapia celular geneticamente modificada. O médico da BP explica: “Temos dois tipos de linfócitos: o B e o T. O linfócito B é excelente em reconhecer proteínas na superfície das células, inclusive tumores, mas não possui uma capacidade destrutiva alta. Já o linfócito T também faz o reconhecimento, porém com muito mais dificuldade, mas tem uma capacidade destrutiva de células tumorais muito grande. Na terapia CAR-T, transferimos geneticamente o poder de reconhecimento do linfócito B para o linfócito T, assim conseguimos fazer com que o linfócito T tenha o reconhecimento do linfócito B associado ao poder de fogo e capacidade altamente letal para destruição de células tumorais”, conta.
A elegibilidade para o novo tratamento depende de uma avaliação médica rigorosa, já que o CAR-T foi aprovado para pacientes que já falharam em várias linhas de tratamentos. “Este é uma terapia utilizada após várias linhas de quimioterapia ou até transplante de medula”, diz o médico. “É utilizada para pacientes com uma doença de comportamento mais resistente ou refratário e os hematologistas de todo o país podem referendar os pacientes que são elegíveis para os centros certificados para o CAR-T”, completa. O hematologista da BP afirma que talvez um dos aspectos mais importantes será o encaminhamento no tempo correto para o CAR-T para que não se perca a janela onde esse tratamento pode ser empregado. Ele lembra ainda que protocolos de pesquisa têm sido desenvolvidos para trazer a terapia em segunda linha em pacientes de alto risco, conforme estudos apresentados no último ASH (American Society of Hematology), o congresso de hematologia norte-americano realizado no mês de dezembro, e aprovado recentemente nesse cenário pela Agência Regulatória Americana, o FDA.
O tratamento com células CAR-T, envolve a coleta dos linfócitos do paciente através de um procedimento chamado aférese, no qual há a separação dos componentes do sangue por centrifugação, por meio de um equipamento automatizado. O material biológico é enviado para laboratórios específicos, geralmente nos Estados Unidos ou Europa, é modificado geneticamente e retorna ao Brasil. De acordo com o médico da BP, esse processo dura em média 30 dias. “Quando as células estão prontas para retornar, de 5 a 7 dias antes da infusão, o paciente recebe uma terapia para ‘limpar’ seus linfócitos e dar espaço aos novos linfócitos que estão retornando, modificados”, explica.
Após o procedimento, há um acompanhamento de curto e longo prazo para o monitoramento das reações do procedimento, como a síndrome de liberação da citocina (SLC) e a alterações neurológicas (ICANS), a curto prazo, na qual o paciente pode ter alterações sistêmicas (febre, calafrios, hipotensão, problemas cardíacos e respiratórios) e alterações neurológicas transitórias. “Por isso é importante identificar esses sinais precocemente para tratar essas complicações com drogas como o tocilizumab, anti-interleucina-6 ou corticoide. Os centros de referência como a BP foram treinados e estão aptos para todo este acompanhamento”, lembra o médico.
Após esse período mais crítico de 30 dias, o paciente está apto a retornar ao centro de origem. Após esse período, pode haver uma redução das contagens de sangue e na capacidade de produzir anticorpos, por isso é importante o monitoramento.
Resultados
As terapias CAR-T começaram a ser testadas em 2009-2010. Os resultados desses estudos indicam que, em pacientes com linfomas refratários a múltiplas linhas de tratamento, as curvas de sobrevida têm se mantido em torno de 40%, ou seja, têm se mantido livre da doença, em remissão. Para LLA, os números são ainda melhores, em torno de 50 a 60% de sobrevida livre de eventos.
“O CAR-T está revolucionando o tratamento das doenças onco-hematológicas. Provavelmente esses pacientes que mantém remissão estarão curados se não apresentarem recidivas nos próximos anos alterando o curso natural da doença de uma forma significativa”, comemora o médico da BP.